Estudantes Indígenas do Sul em defesa de seus territórios na COP 30

03/12/2025 18:04

A Conferência das Partes (COP) constitui o órgão máximo de decisão da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), reunindo 197 nações. Realizada anualmente desde 1995, sua função central é acompanhar e estabelecer acordos globais voltados ao enfrentamento da crise climática. Neste ano, a COP 30 ocorreu pela primeira vez no Brasil, tendo Belém como cidade anfitriã e palco das negociações internacionais sobre clima. O evento se dividiu entre a Zona Azul, onde aconteceram as negociações oficiais entre delegações e chefes de Estado, e a Zona Verde, espaço aberto ao público pré-selecionado, dedicado ao diálogo, à inovação e à apresentação de soluções climáticas por diversos atores da sociedade civil. A zona azul foi reconhecida por ser um espaço mais restrito. A maioria dos indígenas esteve somente na Aldeia COP – espaço mais aberto à participação do movimento indígena.

Este evento internacional tem sido historicamente marcado pela disputa política em torno das decisões climáticas, muitas vezes entrando em embates econômicos, mas ainda assim, com potência para a ação coletiva e articulada dos movimentos sociais junto a decisões sobre o futuro e a defesa dos territórios. Entre as principais discussões em 2026 estiveram a redução de emissões de gases de efeito estufa, estratégias de adaptação, financiamento climático para nações em desenvolvimento, preservação de florestas e biodiversidade, justiça climática e os impactos sociais das mudanças no clima. É importante destacar que esta edição também ficou marcada pelo maior número de participantes indígenas já registrado em uma COP, sendo ao total 900 credenciais na zona azul. Ainda assim, havia demanda para maior acesso e participação e dificuldades para aprovação de algumas pautas.

Créditos de imagem: Édina Barbosa Farias

A COEMA conversou com estudantes indígenas que estiveram presentes no evento para conhecer suas experiências e impressões sobre os debates e decisões. A partir de seus diferentes lugares de participação, eles compartilharam perspectivas sobre os impactos das discussões para suas comunidades e formação acadêmica e destacaram a relevância da presença indígena na construção de soluções para a crise climática. Os estudantes destacam que o aumento expressivo de indígenas na COP Brasil é resultado da própria luta do movimento indígena e da articulação de indígenas que trabalham junto ao Estado.

O estudante do curso de Relações Internacionais da UFSC, Eliel Ukan Patté Camlem, do povo Xokleng, participou do programa inédito  “Kuntari Katu: Líderes Indígenas na Política Global” promovido pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) com objetivo de preparar jovens líderes indígenas no âmbito da diplomacia. Eliel foi um dos 30 jovens indígenas do Brasil, sendo um dos quatro da região Sul e o único da UFSC, selecionados para o programa, que capacitou sobre diplomacia, justiça climática, inglês, entre outros, e deu acesso à área azul. Eliel avalia que a significativa presença de indígenas do Brasil e de outros países foi fundamental para ampliar a voz dos povos indígenas e das demandas dos territórios na COP 30. Ele ainda ressalta que a sua atuação na COP 30 não seria a mesma se ele não tivesse um “pé no chão” – histórico de aprendizado junto à maior formação da vida política: o movimento indígena.

Créditos de imagem: @jean_anjos11

“Quando estamos nesta escola do movimento indígena (como diz o Kretã), a gente entende porque é importante estarmos nestas áreas institucionais de forma conectada à base do movimento indígena. Percebi como a universidade está desconectada da sociedade… a gente estuda, e parece um “ambiente mágico” de diplomacia. Quando estamos lá, vemos que nem tudo é tão diplomático assim, cada grupo está brigando por si mesmo. O movimento é nossa escola, ali aprendemos sobre nossos direitos e como lutar por eles. Os povos indígenas já faziam diplomacia, mesmo antes da colonização. A gente não falava a mesma língua e lutava por territórios, havia necessidade de negociação, acordos políticos entre nós. Sabemos que quem conta “a história” são os “vencedores”, mas também sabemos que fomos nós que escolhemos não morrer mais, e negociar com os colonizadores” (Eliel Ukan Patté Camlém , dezembro de 2025).

Também a estudante do curso de cinema da UFSC, Édina Barbosa Farias, do povo Kaingang, pontua que sua participação na COP 30 ficou ligada à parte de cobertura do evento, junto à delegação de “comunicação” da Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL) e sob coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Seu foco de trabalho foi mais na “Aldeia COP”, na Universidade Federal do Pará (UFPA) e na área verde, durante a mesa “Vozes do Sul – conexões e contrastes indígenas na luta por território e clima”, ocorrida em 17 de novembro de 2025. A estudante reflete que o espaço promoveu articulação política entre lideranças e movimento indígena, trazendo a representatividade dos povos do sul dentro de um contexto que tende a negar até mesmo sua existência. Relata que experienciou cenas de racismo anti indígena quando dizia ser indígena de fora do ambiente amazônico.  Se preocupa com o fato de que há uma centralidade da COP 30 no bioma amazônico, sendo que demais biomas por vezes ficam “esquecidos” no debate e defende que a presença dos indígenas do sul foi essencial trazendo as questões da mata atlântica para o centro do debate, afinal as mudanças climáticas afetam a todos os biomas e estes estão articulados entre si, numa relação de codependência ambiental. Sua experiência também aponta para a importância dos aprendizados junto ao movimento indígena.

Créditos da Imagem: @than.pataxo

“Para mim, quando a gente faz a comunicação para os povos indígenas, vejo que tomamos uma posição: falamos como indígenas, mas precisamos conhecer os dois lados. Esta experiência como comunicadora da COP eu já tenho dentro do movimento indígena, não foi muito diferente, mas encontrei mais barreiras de acesso na COP.  A gente teve que se adaptar a um espaço que não é nosso na COP, pois a COP aconteceu aqui mas não é algo nosso” (Édina Barbosa Farias, dezembro de 2025).

Também estiveram no evento, os estudantes Jucelino Senei Filho do curso de Jornalismo e o estudante Woie Criri Patté, doutorando em Educação,  ambos do povo Laklãnõ Xokleng atuantes em diferentes questões do evento. A presença e agência dos estudantes indígenas do sul em espaços disputados como a COP 30, apontam caminhos para a universidade como um todo. Uma das questões envolve compreendermos o movimento indígena como “escola” e formação de base da maioria dos estudantes indígenas na UFSC, criando pontes pedagógicas em sala de aula, aproximando os estudos teóricos das realidades cotidianas nos territórios. A COEMA/PROAFE reconhece a necessidade de aprendermos com os indígenas, dentro e fora da universidade, e ressalta a relevância da presença dos indígenas do sul em espaços como a COP 30.